O Brasil ocupa lugar de destaque entre os países que mais consomem pornografia no mundo. Em 2024, dados do Pornhub colocaram o país entre os líderes de acessos globais. Apesar de ser um conteúdo amplamente disponível e consumido, especialistas em saúde mental e comportamento humano alertam que o consumo excessivo pode trazer sérias consequências para o cérebro, o bem-estar emocional e a vida sexual de milhões de pessoas.
Mudanças reais no cérebro
De acordo com a terapeuta Danielle Sukenik, o hábito frequente de assistir pornografia não é inofensivo — pelo contrário, pode alterar fisicamente a estrutura cerebral. Um estudo conduzido em 2015 revelou que homens que consumiam pornografia de forma intensa apresentavam redução da atividade cerebral em áreas responsáveis por funções cruciais, como motivação, controle de impulsos e tomada de decisões. Essas regiões estão localizadas no córtex pré-frontal, uma das partes mais sofisticadas do cérebro humano.
“Essas alterações são preocupantes porque afetam diretamente a forma como o indivíduo lida com desejos, comportamentos e recompensas”, explica Sukenik. Segundo ela, o cérebro passa a funcionar de maneira semelhante ao de pessoas com vícios comportamentais, buscando doses cada vez maiores de estímulo para atingir o mesmo nível de prazer inicial — um fenômeno conhecido como tolerância.
Prazer virtual, problemas reais
Outro efeito colateral importante é a diminuição da sensibilidade aos estímulos sexuais naturais. O excesso de pornografia pode reduzir o interesse e o desempenho sexual com parceiros reais, uma vez que o cérebro começa a associar o prazer exclusivamente à experiência virtual. “Isso pode provocar dificuldades de ereção, diminuição da libido, e até levar à insatisfação conjugal”, destaca a terapeuta.
O enfraquecimento da comunicação entre o córtex pré-frontal e o sistema de recompensas leva ainda a um padrão de comportamento mais impulsivo. “O cérebro passa a priorizar o imediatismo e a recompensa fácil, o que pode gerar compulsão e abrir caminho para o consumo de conteúdos cada vez mais extremos — em alguns casos, até ilegais”, alerta Sukenik.
Superestímulo e vício comportamental
O coach de mentalidade Paul Sheppard, que ganhou visibilidade nas redes sociais ao abordar o tema em vídeos virais no TikTok, também aponta que a pornografia atua como um “superestímulo”. Ela provoca uma liberação anormalmente alta de dopamina — neurotransmissor ligado à sensação de prazer — criando uma espécie de “curto-circuito” no sistema de recompensas.
“O problema é que, com o tempo, o cérebro se adapta a esse excesso e passa a exigir doses ainda maiores para sentir prazer. As atividades simples do cotidiano — como praticar esportes, sair com amigos ou até o próprio sexo real — começam a parecer menos interessantes”, afirma Sheppard.
Esse desequilíbrio pode gerar uma sensação crônica de insatisfação e desmotivação. “Muitos relatam que nada mais dá prazer, a não ser voltar a assistir pornografia. É um ciclo vicioso que, sem intervenção, tende a se agravar”, completa.
Consequências emocionais e sociais
O consumo excessivo de pornografia também está associado a um conjunto de sintomas psicológicos e físicos: dificuldade de concentração, cansaço mental, irritabilidade, queda na autoestima, ansiedade de desempenho e insegurança em relações afetivas.
Além disso, muitos usuários acabam desenvolvendo uma percepção distorcida sobre o corpo, a performance sexual e os relacionamentos, o que pode impactar profundamente a autoconfiança e a intimidade com os parceiros.
Existe solução?
Felizmente, especialistas concordam que o cérebro tem capacidade de se regenerar, desde que haja um afastamento temporário do estímulo. Essa prática, conhecida como “reboot”, envolve interromper completamente o consumo de pornografia por um período, permitindo que as conexões neurais relacionadas ao prazer e à recompensa sejam restauradas.
“O objetivo é dar tempo para que o sistema de recompensas volte a responder a estímulos mais naturais, saudáveis e reais”, explica Sheppard. Segundo ele, muitas pessoas relatam melhoras significativas na motivação, energia, foco e desempenho sexual após algumas semanas de abstinência.
Um convite à reflexão
Embora o consumo de pornografia seja uma escolha individual, entender seus impactos — especialmente quando se torna um hábito compulsivo — é fundamental. O debate não é sobre moral, mas sobre saúde mental, neurociência e qualidade de vida.
Com a popularização dos conteúdos adultos e a facilidade de acesso, o desafio contemporâneo está em encontrar equilíbrio e consciência no uso. O prazer não precisa ser digital para ser real — e recuperar o controle sobre o próprio desejo pode ser um dos caminhos mais poderosos para viver com mais presença, conexão e autenticidade.